quarta-feira, 13 de agosto de 2014

O Velhinho

          Oi. Quem é você pra vir chegando assim? Eu te conheço de algum lugar? Não sei. Talvez você tenha passado despercebido entre todas as pessoas que já passaram por mim nesses 80 anos de estrada. Sabe, muitas pessoas passaram pela minha vida. Das mais extravagantes até as mais simples. Das mais apaixonadas até as que me ignoraram. Qual desses foi você? Você passou ao meu lado naquela festa e sorriu pra mim? Você me deu tchau quando eu estava descendo do ônibus?
          Desculpa, eu realmente não lembro de você. Seu rosto deve estar mudado, já que deve ter passado muito tempo. Você estudou comigo? Era você quem ficava lá atrás dormindo nas aulas? Ou você era aquele que se sentava na primeira cadeira da fila e só tirava nota alta? Se você ficar assim com essa cara de tacho pra mim eu nunca vou adivinhar. Ou, talvez, você não queira que eu adivinhe.
          O quê? Resolveu falar? Ah, você quer fazer parte da minha vida. Meu bem, eu te disse que estou com 80 anos? Eu nunca me casei. Não, nenhum amor que me fizesse soltar aqueles suspiros. Chegou um momento que eu simplesmente desisti. A vida não vale a pena ser passada só pensando que não podemos ficar sozinhos. Ahn? Não, eu não tenho sobrinhos. Eu não tenho irmãos. Também não mantenho contato com mais ninguém da minha antiga vida. Desde que me mudei, sou outra pessoa. Sinceramente, eu não sei como você me achou.
          Não, não tem onde você ficar. Eu não tenho espaço pra mais ninguém na minha casa. Eu vivo sozinho. Sou feliz sozinho. Ou talvez não. Mas eu tenho 80 anos e não tenho mais tempo pra ser feliz. Ah sim, tem um tempo pra gente ser feliz. O meu passou tão rápido que eu não vi. Eu te disse que não tinha sobrado ninguém do meu passado, não foi? Mas tem um alguém que cuida de mim. Ela cuida de mim até que um dia essa vida se acabe pra mim.
          Aqui só resta espaço pra ela. Então, se você fizer a fineza de partir sem deixar rastros, eu agradecerei. Ela não vai gostar nadinha de saber que você está aqui. Não mesmo. Por favor, vá embora. O quê? Você disse que nunca dei chances a você? Está me enganando, seu moço? Olhe, eu tenho muita coisa pra fazer e não posso ficar aqui te dando ouvidos. Seu moço, vá embora. Não volte. Não precisa insistir.
          É, eu lembro de você sim. Eu lembrei de você desde a hora que você dobrou aquela esquina. Meus olhos se encheram de lágrimas. Mas agora não dá mais tempo pra mim, seu Amor. É esse o seu nome, não é, Amor? Eu sabia que sim. É, você resolveu aparecer pra mim agora. Novamente. Mas agora, mesmo que eu quisesse, eu não tenho mais como te dar a devida atenção. Eu tenho 80 anos, seu Amor. Sabe aquela senhorinha que vem me ver e tomar conta de mim? Então, ela é a dona Saudade. Ela que cuida de mim nesses dias frios. Sabe por quê? Por que eu achei que você não me queria na minha juventude. E você vem e me aparece com essas flores. Agora já deu. Eu realmente não posso mais.
          Eu preciso entrar agora, viu? Vou ter uma conversinha com um amigo. O nome dele é Arrependimento. Desculpa, seu moço... seu Amor, eu sei que é esse seu nome. Desculpa, por não ter te olhado quando você aparecia, e desculpa por achar que você estava em quem não estava. Tchau, viu? Espero que você encontre quem te dê ouvidos. Eu e minhas desilusões vamos entrar agora, ta bem? Tchau. Vá com Deus.

3 comentários:

  1. Caracaaa que lindo! Nossa! Estou chorando de tanta emoção, esse texto faz a gente refletir sobre o que deixamos passar na nossa vida! Lindo demais! Parabéns Rafael! :-D :-D :-D

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    1. Fico muito feliz por você ter gostado, Carol, mesmo mesmo. Muito obrigado!!!!

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  2. Lindo demaaaais. Comoveu. Tocou lá no fundo.

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